quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Porque pagamos a água praticamente ao nível de um condomínio de luxo? As causas

Porque pagamos a água práticamente ao nível de um condomínio de luxo?

O MUAP: Movimento de Utentes da Águas do Planalto é um grupo informal e apartidário formado por cidadãos com a consciência de que os preços da água fornecida pela empresa Águas do Planalto aos concelhos de Tondela, Santa Comba Dão, Mortágua, Carregal do Sal e Tábua são extremamente elevados e injustos para todos e em especial para aqueles que atravessam dificuldades económicas.
Este grupo tem vindo a fazer um trabalho de investigação, de informação e contestação procurando descobrir e mostrar a todos as razões que nos levam a pagar uma das águas mais caras de todo o país, só ultrapassados por um condomínio de luxo em Troia.

As causas
O primeiro passo que nos levou a esta situação foi a privatização da nossa água feita em 1997, mas o que mais contribuiu para os preços atuais que todos pagamos foi uma adenda ao contrato de concessão assinada em 2007 entre a Associação de Municípios do Planalto Beirão (AMRPB), representada pelo então presidente da Câmara Municipal de Tondela, Carlos Marta, e a empresa Águas do Planalto (AP).
O contrato inicial de concessão assinado em 1997 foi precedido de concurso público internacional, teve o visto do Tribunal de Contas e a aprovação das respetivas câmaras municipais e assembleias municipais.
A adenda assinada em 2007, não teve o visto do Tribunal de Contas, não foi aprovada nem discutida nas câmaras municipais nem nas assembleias municipais, não teve o parecer prévio do IRAR (Instituto de Regulador da Água e Resíduos) e implicou um conjunto de alterações substanciais ao contrato inicial das quais se destacam:
· O prazo de concessão passou dos 15 anos iniciais para 30 anos, a que se somam mais 10 de renovações.
· As “cláusulas de rescisão” do contrato para que as câmaras pudessem retomar a gestão pública da água foram estabelecidas em valores extremamente elevados.
· Foi estabelecida uma garantia do equilíbrio económico-financeiro da empresa, fazendo com que esta não tivesse qualquer risco no seu negócio e tivesse sempre um elevado lucro garantido.
· Foi impedido o recurso aos tribunais comuns, como se os signatários desta adenda não estivessem inseridos num Estado de Direito.
· Os preços da água foram aumentados significativamente nesse ano e foram estabelecidos aumentos até 2013 significativamente superiores à inflação.
Sobre esta adenda o IRAR emitiu, em junho de 1998, já depois da sua assinatura, um parecer que termina com as seguintes conclusões:
· A celebração do aditamento ao contrato de concessão deveria ter sido precedida da emissão do parecer do IRAR, o que não aconteceu no caso vertente.
· A preterição de uma formalidade essencial num procedimento administrativo determina a sua anulabilidade.
· Alguns pressupostos do modelo económico não se afiguram realistas.
· A prorrogação do prazo de concessão, passando de um prazo de 15 anos para 30 anos, afigura-se indesejável do ponto de vista da concorrência no sector das águas e não foi demonstrado pelas partes que tal prorrogação era indispensável face a outras alternativas de reposição do equilíbrio económico-financeiro da empresa.
As conclusões do parecer do IRAR mostram, de uma forma clara e objetiva, que a adenda foi feita de uma forma contrária à lei, e sem qualquer fiscalização dos órgãos autárquicos dos nossos concelhos democraticamente eleitos.


Este artigo do qual hoje é publicada a 1ª parte é composto por 4 partes
 As causas
 As contas
Gestão pública versus gestão privada
As soluções


Em posts diferentes publicaremos cada um deles!

Porque pagamos a água praticamente ao nível de um condomínio de luxo? As contas

                                                                                                                                                                           

    As contas 
De acordo com os dados oficiais da ERSAR, a água fornecida pela Águas do Planalto em 2012 era a 7ª água mais cara a nível nacional, como se mostra a tabela 1.

Na impossibilidade de termos dados oficiais relativos aos preços da água neste ano de 2014, mas porque sabemos os valores cobrados pela Águas do Planalto em 2014, e aplicando as taxas de inflação aos restantes concelhos, presumindo que nestes não houve aumentos extraordinários, concluímos que em 2014 os nossos concelhos serão a quarta água mais cara a nível nacional, estando a concessão da infra-estrutura turística da península de Troia em 1º lugar, como se mostra na tabela 2.


A justificação que temos obtido quer da Águas do Planalto, quer de alguns responsáveis autárquicos, para estes preços prende-se com o enorme investimento que se fez em toda a infraestrutura de captação, tratamento e distribuição da água.
Quisemos por isso fazer um trabalho de análise das contas destas infraestruturas, análise essa feita com base nos documentos a que tivemos acesso. Importa desde já referir que não encontrámos em toda a nossa pesquisa a existência de qualquer auditoria externa às contas relativas à construção destas infraestruturas.
A tabela 3 resume os dados que apurámos tendo os mesmos origem em duas fontes: A Águas do Planalto (AP) e um relatório de Comissão Europeia (CE).


Segundo a Águas do Planalto o custo total das obras foi de 39.734.285€, sendo 25.496.045€ relativos a obras realizadas pela Águas do Planalto e 14.238.240€ relativos a obras realizadas pela Associação de Municípios da Região do Planalto Beirão.
Segundo um relatório da Comissão Europeia, esse custo terá sido de apenas 29.619.445€, sendo a respetiva comparticipação de 22.575.443€.
Destes valores resulta que o valor não comparticipado pela CE em relação ao custo apresentado pela própria CE, foi de 7.035.002€.
Mesmo que consideremos os custos apresentados pela Águas do Planalto, o valor não comparticipado pela CE seria de 17.158.842€
A assinatura da Adenda ao contrato de concessão, realizada em 2007, teve como um dos propósitos injetar na AMRPB uma verba para fazer face aos custos das obras não comparticipados pela comissão europeia.
Essa injeção de capital foi de 22.250.000€, valor este que ultrapassa em 15.214.998 o valor não comparticipado das obras segundo a CE e 5.091.158€ segundo a AP.
Numa ou na outra situação são os consumidores destes concelhos que estão a pagar um valor em excesso nas suas contas da água relativo a esta injeção de capital feita pela AP na AMRPB. O princípio do utilizador-pagador é assim claramente ultrapassado já que os consumidores estão a pagar mais do que o que foi efetivamente investido na construção das infraestruturas.
Não encontrámos nas atas das reuniões das câmaras ou nas atas das reuniões das assembleias municipais quaisquer referências à fiscalização destas contas por todos aqueles que elegemos para defenderem o interesse dos cidadãos dos nossos concelhos. 

Porque pagamos a água praticamente ao nível de um condomínio de luxo? Gestão pública versus gestão privada

                                                    Gestão pública versus gestão privada 

O MUAP defende que a água é um bem público de primeira necessidade, que deve estar acessível a todos e que não pode ser fonte de rendimento de empresas privadas.
Defendemos por isso a gestão pública da água. Para aqueles que argumentam que as empresas privadas conseguem fazer uma melhor gestão dos seus recursos, salientamos que tanto em empresas públicas como em empresas privadas há bons e maus gestores. Podemos dar como exemplos de má gestão privada a gestão do BPN que nos deixou a todos nós portugueses uma enorme dívida para pagar, ou mais recentemente a gestão do grupo que controlava o BES.
Igualmente poderemos dar bons exemplos de empresas públicas onde é feita uma boa gestão, e em particular no setor das águas. Basta olharmos para o concelho de Viseu e para a forma como os SMAS de Viseu fazem a gestão da sua água. O custo final aos utilizadores de Viseu para consumos mensais de 10m3 de água é menos de metade do preço que os utentes da Águas do Planalto pagam pelo mesmo consumo.
Alguns autarcas têm alegado em favor da manutenção da Águas do Planalto como concessionária da nossa água, o facto das 5 câmaras municipais não terem quaisquer custos com este serviço de abastecimento da água, ao contrário do que alegam que acontece em Viseu.
Tal argumento é completamente falso, bastando para isso consultar os relatórios de contas do SMAS de Viseu, cuja tabela 4 mostra os lucros obtidos nos anos de 2012 e 2013.


Estes dados mostram que com uma boa gestão pública é possível ter um serviço de qualidade, realçando que em 2013 os SMAS de Viseu receberam o prémio pela melhor qualidade da água pública a nível nacional, e que os SMAS geram receitas líquidas que serão usadas no desenvolvimento da região, não constituindo assim um encargo suplementar para o município de Viseu, antes pelo contrário.
Quanto ao facto das câmaras servidas pela Águas do Planalto não terem qualquer despesa com os serviços de água, tal não corresponde à verdade. São as câmaras municipais que são responsáveis pelo alargamento da rede de distribuição e uma vez feito esse investimento entregam de mão beijada todo esse investimento à Águas do Planalto para estes venderem mais água a mais clientes e assim gerarem mais lucros. Os municípios fazem os investimentos e a AP fica com os lucros.
Mesmo em relação à rede de distribuição de água que já está feita, não compete à Águas do Planalto investir na sua renovação. Prova desse facto, devidamente consagrado no contrato de concessão e na adenda, está a nota constante na página 18 do relatório de contas de 2013 da Águas do Planalto onde se refere que:
O número de roturas na rede de distribuição de água mantém-se elevado, tendo-se registado 1131 roturas durante este ano…
A persistência de elevados números de roturas reforça a necessidade da Entidade Concedente proceder à renovação das redes de distribuição 
Isto mostra que é aos municípios, através da AMRPB, que compete fazer a renovação da rede nos próximos 23 anos que ainda durará esta ruinosa concessão.
Interessante é também a análise do relatório de contas da AP referente ao ano de 2013. Dessa análise resultam, em resumo os dados da tabela 5.


Verifica-se que apesar da diminuição do volume da água vendida e do número de clientes, o volume de negócios e os lucros têm vindo a subir.
A percentagem dos lucros relativamente ao capital social, que é o capital efetivamente investido pelos sócios da empresa, começa a aproximar-se dos 50% ao ano.
Relativamente ao capital próprio da Águas do Planalto, que é superior ao seu capital social, verificámos que esse aumento do capital próprio tem vindo a ser feito com uma parcela dos lucros da própria empresa, e não com a entrada de novos capitais por parte dos seus acionistas.
Ao contrário do que acontece com os SMAS de Viseu em que os lucros obtidos são integralmente reinvestidos nesse concelho, os enormes lucros gerados pela AP não são, na sua esmagadora maioria, reinvestidos na nossa região. Parte destes lucros são pagos ao Estado português na forma de impostos. Outra parte é usada para aumentar o capital próprio de AP, capital esse que ficará sempre pertença da empresa, e a esmagadora maioria dos lucros são entregues ao acionista da Águas do Planalto que é detida a 100% pela AQUAPOR.
As 5 câmaras municipais poderiam ter criado uma empresa intermunicipal com um capital social de cerca de 500.000€ por município que poderia ficar responsável pela gestão da água nestes 5 concelhos. Se o tivessem feito os lucros que viessem a obter seriam integralmente reinvestidos na região.

Porque pagamos a água praticamente ao nível de um condomínio de luxo? As soluções

As soluções
O MUAP está consciente que as câmaras municipais não têm condições financeiras para proceder ao resgate do contrato de concessão da água em virtude das cláusulas contidas na adenda assinada em 2007.
Este facto não é no entanto impeditivo de se procurarem alternativas jurídico-legais que permita reverter a gestão da água para o domínio público.
Mesmo sem o apoio institucional da AMRPB que representa os 5 municípios neste negócio leonino da água, o MUAP tem vindo a fazer um conjunto de denuncias e exposições tendo em vista, no essencial, que seja declarada nula a adenda ao contrato de concessão assinada em 2007. Sem esta adenda o contrato de concessão já teria terminado em 2012.
 Enviámos por isso participações às seguintes entidades:
·         Tribunal de Contas
·         Inspeção Geral de Finanças
·         Provedor de Justiça
·         Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu
·         Procuradoria Geral da República.
Aguardamos os desenvolvimentos destes processos, mas sabemos que dada a lentidão da justiça portuguesa teremos pela frente largos anos de espera. Apesar dessa espera salientamos que se nada for feito este contrato leonino manter-se-á por mais 23 anos, ou seja até à próxima geração. Foi este o legado que nos deixaram os responsáveis que em 2007 aprovaram e assinaram esta desastrosa adenda.
Paralelamente enviámos uma participação para a ERSAR que é a entidade competente em matéria de regulação do setor da água e resíduos, para que esta entidade intervenha administrativamente na fixação de preços mais baixos para a água fornecida pela Águas do Planalto.
Acreditamos que a breve prazo esta poderá ser a melhor solução para conseguirmos uma redução na fatura da água que todos pagamos.
Entendemos que deveria competir aos políticos democraticamente eleitos zelar pelo interesse de todos nós consumidores. Verificamos que infelizmente isso não aconteceu quando se procedeu à privatização da nossa água em 1997, quando se assinou a adenda em 2007, e quando nos anos mais recentes se aceitou este contrato como um facto consumado sem se procurarem soluções para aliviar a fatura da água que todos pagamos.
As diferentes intervenções do MUAP, na sequência dos estudos que desenvolveu, veio ter como primeiro mérito a colocação deste assunto na ordem do dia não só ao nível político como também ao nível social.
Temos consciência que os atuais responsáveis autárquicos, por vontade própria, ou por pressão da opinião pública cada vez mais informada em face dos dados que o MUAP tem vindo a divulgar publicamente, estarão agora a desenvolver ações que possam esclarecer algumas situações menos claras.
Uma auditoria externa e independente às contas da AMRPB, com especial destaque ao negócio da água dos nossos 5 municípios, seria uma boa base de trabalho. Estaremos atentos à pssibilidade dessa auditoria e prometemos ser interventivos  durante a sua eventual  realização e na análise das suas conclusões.
O MUAP pautará sempre a sua atuação pela intransigente defesa dos superiores interesses dos consumidores de água dos nossos conselhos. Existimos porque entendemos que os políticos que elegemos não têm exercido convenientemente essas funções.
Defendemos a democracia que deriva das palavras gregas demos+Kratos que significa Governo do Povo. A democracia não se esgota nos políticos e nas eleições, mas é um permanente exercício de cidadania que o MUAP pretende exercer.
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